Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil

No livro Vidas Secas, do autor Graciliano Ramos, é retratada a luta de uma família que conta com o pai, a mãe, o cachorro e seus dois filhos não nomeados pela sobrevivência no sertão nordestino. Longe da ficção, a realidade da falta de documentação pessoal está cada vez mais diligente porém, ao contrário do teor fictício da obra, no Brasil, essa realidade se estabelece de forma preocupante. Assim, é inegável que esse panorama tem origem na negligência do Estado, que se mostra omisso na resolução do quadro. Logo, acentuam-se a problemática não só a insuficiência governamental como também a negligência midiática.
Diante desse cenário, a insuficiência governamental cristaliza a inacessibilidade à documentação no país. Isso acontece devido ao conceito de cidadania mutilada do geógrafo Milton Santos que diz respeito à falta de acessibilidade a direitos garantidos na Constituição, o que contribui para a invisibilidade do indivíduo. Consoante isso, a cidadania se vê ameaçada ao passo que, ao não possuir acesso à documentos como RG e certidão de nascimento, por exemplo, uma parcela da população se vê impedida de exercer seus direitos e deveres. Dessa forma, a falta de políticas públicas que promovam a emissão de documentos pessoais no país representa a mutilação da cidadania.
Outro fator que corrobora para a problemática é a negligência midiática que perpetua o desconhecimento acerca da necessidade de documentação pessoal. Essa situação surge, principalmente, devido à Indústria Cultural, conceito cunhado pelos filósofos Adorno e Horkheimer que defendiam que a mídia funciona como uma espécie de fábrica produzindo conteúdos padronizados a fim de domar a sociedade. No que tange ao Brasil, a mídia desempenha papel fundamental na alienação dos brasileiros para com a emissão de documentos pessoais visto que, ao não exibir propagandas que divulguem a importância de possuir documentos de identificação, por exemplo, os meios de comunicação contribuem para a invisibilidade do indivíduo que não detém registro de nascimento, que seguirá sendo inexistente para o Estado e tendo a garantia de sua cidadania negada. Assim sendo, a Indústria Cultural por detrás da mídia brasileira está interligada com a invisibilidade do cidadão sem documentos.
Destarte, é necessário perceber que a existência de brasileiros sem registro geral no país é fruto inegável das ínfimas campanhas que promovam a emissão de documentação. Portanto, é mister que o Governo Federal, junto ao Ministério da Cidadania, crie, por meio do repasse de verbas, o Programa Nacional da Documentação, que contará com campanhas para emissão de documentos nas áreas rurais e urbanas das cidades brasileiras a fim da diminuição de brasileiros sem a documentação apropriada. Ainda, cabe à ANATEL a regulamentação de uma norma que torne obrigatório a divulgação das campanhas do Programa em rede nacional com o intuito de atrair mais interessados. Espera-se que, a partir de tais medidas, histórias tais quais a retratada em Vidas Secas fiquem restritas à ficção.