“Aversão ao diferente” (Tema (ENEM 2020): O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira)

No livro pertencente ao realismo mágico “A Metamorfose”, de Franz Kafka, o protagonista Gregor Samsa é transformado em um “inseto monstruoso”, sofrendo diversos preconceitos a partir de então. Renegado pela família e sem poder trabalhar , sua nova vida se resumia a estada em seu quarto – na qual a ausência de autonomia pessoal era preponderante. Paralelamente ao universo literário, a realidade enfrentada pelos portadores de doenças mentais ainda é um tabu na sociedade brasileira, na qual o estigma da invisibilidade e da falta do cumprimento dos direitos dessas pessoas  ainda permanecem. Para modificar esse cenário, é essencial que a sociedade tupiniquim tenha acesso à informações confiáveis acerca dos transtornos mentais, bem como da desconstrução de ideais de uma “vida perfeita” e idealizada – uma vez que síndromes psíquicas podem acometer indivíduos em qualquer parte da vida.

Em vista dessa problemática, o filme espanhol “Toc Toc” aborda as consequências da falta de informações relativas às doenças mentais, uma vez que até os pacientes  – os quais buscavam tratamento psicológico no longa-metragem -, não sabiam de suas verdadeiras condições clínicas. Tal hiato, nesse caso, dificultava a interação entre os próprios personagens , os quais montaram um grupo de apoio para trocar experiências e entenderem suas diferentes realidades. Para além do cinema, a situação brasileira ainda acrescenta a segregação e a indiferença perante os afetados, os quais sofrem com a perpetuação de estereótipos nocivos de “doentes mentais” e da falta de informação adequada sobre o tema. Um dos retratos da situação nacional, uma pesquisa divulgada pela OMS, em 2017, contabiliza mais de 11,5 milhões de brasileiros portadores de depressão; uma das doenças que mais causa impactos econômicos, segundo o mesmo levantamento, e a qual age de maneira silenciosa – contrapondo-se à vida idealizada pelo corpo social contemporâneo.

Diante essa padronização do estilo de vida, o mundo cibernético pode ter uma contribuição deletéria, haja vista que são exigidos os melhores pontos de vista à serem postados na internet. Sobre esse assunto, o divulgador científico Atila Iamarino recentemente publicou uma série de vídeos em seu canal homônimo no “YouTube”, atentando para a homogeneidade provocada pela rede. Iamarino enfatiza comportamentos que são conscientemente replicados, como ângulos de fotos de pontos turísticos que se repetem em postagens de redes sociais. Um dos impactos dessas atitudes é a rejeição ao que é diferente (ou é entendido desse modo), o que provoca segregação àqueles que não se encaixam em determinados comportamentos – assim como ocorre aos diagnosticados com distúrbios mentais.

Para modificar esse cenário, urge que o Governo Federal – responsável pela garantia do bem-estar e dos direitos dos cidadãos -, juntamente com o Ministério da Saúde, promovam campanhas informativas utilizando depoimentos de personalidades famosas que passam (ou passaram) pela experiência do diagnóstico de uma doença mental, veiculando-as na mídia em geral – sobretudo em meios “online”- com o propósito de informar a população acerca dos percalços também  vivenciados por eles e as possibilidades de reinserção adequada dos mesmos à sociedade. Além disso, cabe ao MEC incluir na grade programática escolar conteúdos que debatam essa temática, com o intuito de conscientizar os jovens e impedir que estejam desamparados em relação à essa questão. Somente assim o drama enfrentado pelo personagem de Kafka não se concretizará, permitindo que as diferenças não sejam mais motivo para os estigmas e a negligência perpetuados ainda hoje.