Quanto vale um estupro?

A objetificação e desprezo pela mulher são temas que perduram desde os primórdios. Nota-se tal comportamento na passagem bíblica em que o personagem, Ló, oferece suas duas filhas para serem abusadas. Em troca de tal proposta, Ló pediu que os homens, que procuravam os visitantes hospedados na casa dele, os deixassem em paz. Cultura é uma construção de ideias e hábitos, vivenciados ao longo dos anos, como forma de reafirmar e propagar a sua ancestralidade. Não obstante, o estupro se tornou natural e normal aos olhos da sociedade, causando sua ocorrência ao longo das gerações, culminando na cultura do estupro.

A frase da filósofa francesa, Simone de Beauvior, “não se nasce mulher, torna-se mulher”, pode ser interpretada da seguinte forma: a formação da mesma é moldada conforme os padrões e necessidades masculinas, onde o papel feminino se limita a ser uma boa esposa, cozinhar, cuidar da casa, dos filhos, e sujeitar-se às decisões do homem. Tal visão favoreceu a superioridade masculina, o machismo, e a vulnerabilidade da mulher, sendo considerada frágil e sem voz na sociedade. Atualmente, devido aos movimentos feministas, muitos direitos foram conquistados. Contudo, existe um falso e ilusório pensamento de que a mulher é, de fato, ouvida. Na série televisiva, “Inacreditável”, isso é evidenciado quando a personagem Marie é estuprada, e ao prestar depoimento na delegacia, os policiais responsáveis invalidam a sua versão, fazendo-a acreditar que é apenas fruto de sua imaginação.

Ademais, em alguns casos, o estupro é mascarado e até mesmo monetizado pela própria população brasileira. Isso acontece nas indústrias pornográficas, que criam produtos em cima de mulheres violentadas. Tais produtos são consumidos em massa, gerando cada vez mais produtos similares a esse, resultando em mais mulheres objetificadas, violentadas e vulneráveis. Inúmeros dados afirmam que grande parte das atrizes pornôs são depressivas e/ou cometem suicídio, e grande parte delas gravam as cenas contra a própria vontade, sendo até mesmo drogadas para, nas cenas, parecerem mais vulneráveis. Mesmo diante disso, a pornografia nunca esteve tão presente como nos dias atuais, sendo cada vez mais aplaudida e incentivada por meio dos milhares acessos diários. No Brasil, o estupro acontece a todo instante: em casa, no trabalho, na escola/faculdade, em festas, e diante disso, a voz da mulher continua a ser reprimida. Diversas mulheres vivenciam o medo constante e diário ao estarem sozinhas caminhando na rua, independente do horário, e perceberem um homem caminhando logo atrás delas.

Diante dos fatos que foram apresentados, é indispensável que o ministério de educação e cultura (MEC) promova a conscientização da população brasileira acerca do perigo ao consumir pornografia, trazendo dados e depoimentos de atrizes pornôs, a fim de reduzir significativamente os acessos; as escolas lecionem sobre a importância de respeitar a mulher, enxergá-la com igualdade, e ter sua opinião em alta conta, por meio de filmes, ilustrações ou aulas sobre o assunto com convidadas, a fim de formar pessoas dispostas a erradicar a cultura do estupro e machismo; e os pais eduquem e reproduzam discursos que construam uma visão crítica acerca desses assuntos, criando futuros cidadãos, principalmente homens, com consciência, que respeitam e repudiam tal “cultura”, a fim de romper com essa visão criada há séculos atrás, em que a sociedade acredita que isso é natural e normal.